Por Christopher
Rodrigues (*)
Muitos críticos alegam que o Bolsa Família não passa de um
programa criado para fins de ganhos eleitoreiros. Além disso, acham que o mesmo
não tem outra utilidade senão a de levar as pessoas a pararem de trabalhar.
Para eles, o programa social também estimula a procriação e faz com que as
pessoas continuem vivendo na miséria. É como se o valor do benefício significasse
tamanha generosidade do Governo Federal a ponto de propiciar uma vida de
despreocupação e folga para aqueles que recebem a bolsa, embora não os
enriqueça. Complicado, não?
No entanto, se fizermos uma análise não-superficial dos maiores
impactos do programa tanto na vida dos beneficiários quanto na economia de
regiões carentes, concluiremos que alguns dos argumentos disseminados pela
mídia e por pessoas contrárias à medida são simplistas e falaciosos.
Diferente e na contramão do que muitos afirmam o Programa Bolsa
Família (PBF) melhora a condição de vida dos indivíduos e estimula a formação
de novos mercados em localidades onde o foco de miséria é preponderante. Aqueles
que muito criticam o programa estão subestimando a capacidade dele de ajudar a
combater os problemas sociais que lamentavelmente caracterizam a "pátria
amada" chamada Brasil.
Entender os efeitos positivos do PBF não é um trabalho muito
difícil para aqueles que têm interesse em buscar um aprofundamento maior sobre
o tema. Seu impacto é bem mais que positivo e pode facilmente ser observado em
diversas áreas sociais.
Na Economia
A maioria das pessoas beneficiadas pelo PBF vive em regiões
pobres como a região norte e o nordeste brasileiro. Recebendo o benefício,
estas pessoas tem um considerável aumento em seu poder de compra, o que
possibilita suprir suas necessidades básicas – água potável, alimentos,
material escolar, dentre outros.
Uma proporção bastante significativa destas pessoas tem a
cultura de consumir (e tende a consumir ainda mais) artigos de primeira
necessidade em pequenas lojas e vendas de regiões nas quais o contingente
populacional de famílias que sobrevivem em condições precárias de extrema
pobreza está inserido.1 Além disso, os brasileiros que habitam a periferia
da estrutura social e vivem sob a ameaça do espectro da fome também adquirem,
quando podem, produtos alimentícios provenientes da agricultura familiar.
Significa que o comércio e a agricultura têm chances reais de serem
promovidos e de ganharem novos consumidores, fazendo com que a máquina da
economia gire e faça ampliar os mercados regionais. Novos empregos serão criados
e a situação alarmante das famílias pobres pode melhorar consideravelmente com
as novas oportunidades de trabalho que irão surgir. Com trabalho digno, os mais
desfavorecidos viverão melhor e as pequenas regiões se movimentarão em direção
onde esteja o crescimento e a prosperidade.
Com o aumento do volume de vendas, os comerciantes vão se
defrontar com uma curva de demanda mais elevada, forçando-os a buscarem
produtos em outros mercados, que são geralmente localizados em grandes centros urbanos,
o que também poderá aquecer a economia de outras regiões.2 Também os
agricultores familiares de pequenas e pobres regiões terão que aumentar o nível
de produção, e isso demanda mais empregos e maquinário, podendo até repercutir na
indústria nacional ou local, se for o caso.
Novos mercados poderão ser criados e as empresas que atuarem
nesses novos segmentos gerarão impostos para o governo.3 Isto quer
dizer que todos os agentes da economia – famílias, empresas e governos – sairão
beneficiados pelo programa de transferência de renda.
O único efeito, digamos, negativo do ponto de vista econômico
será uma inflação local decorrente do aquecimento da economia de cada região.
Algo plenamente natural, pois nas regiões pobres, dado o baixo nível de renda
per capita, é comum que as mercadorias custem menos. Com a transferência de
renda do Governo Federal para essas regiões e com a consequente melhoria das
condições de vida das pessoas, ocorre um eventual aumento de consumo que leva o
nível de preços a subir de patamar. Por outro lado, o PBF estimula a geração de
empregos e o aumento de salários, o que traz dignidade para as famílias e,
paradoxalmente, menor dependência do programa.
Em uma análise keynesiana, podemos dizer que o PBF tem uma
espécie de efeito multiplicador, pois de acordo com o IPEA “cada R$ 1 destinado
ao programa retorna à economia como R$ 1,44”.4 Segundo a ministra do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, o Bolsa Família é “mais
do que um gasto, é um grande investimento que nós estamos fazendo, não só para
tirar a população da pobreza, mas para o país continuar a crescer”.5
Há um senso comum de que "o pobre que vai receber a bolsa
não vai mais querer trabalhar". Ora, todos que dizem que o PBF estimula a
ociosidade não passam de ignorantes que não compreendem o dinamismo da
economia. O valor real da bolsa vai cair com o tempo e, portanto, será mais
viável manter o emprego. Não dá para arriscar!
Política
Uma consequência positiva e bastante curiosa do Bolsa Família é
a redução do poder das oligarquias locais.6 Trata-se de poucas
"famílias de coronéis" que, há muito tempo, dominam fortemente a
política de regiões pobres através do clientelismo, mas que estão perdendo
influência devido à melhoria de renda (também via Bolsa Família) das pessoas
que vivem nessas localidades.
Assim, a compra de voto tornou-se uma prática de alto custo,
pois o pobre eleitor não estará mais interessado em trocar o seu voto por uma
"pequena ajuda", como, por exemplo, a doação de chinelos, celulares,
sacos de farinha, etc. Agora os pobres podem comprar todos os gêneros básicos
que necessitam e o melhor: podem também viver com mais dignidade.
Com isso, novas oportunidades para políticos progressistas são
abertas, possibilitando, assim, a chegada ao poder de novas lideranças
bem-intencionadas e que estejam compromissadas com o povo. Não é à toa que o
PBF é criticado com muita veemência por alguns setores retrógrados da direita.7
Segundo Martins de Moura8, o programa não é um
projeto social e sim um "marketing político" que viabiliza a compra
de votos em âmbito nacional. Uma afirmação que resume a de muitos outros e que
simboliza um preconceito contra as famílias mais pobres. Todo e qualquer
governo usa ou já usou alguma ferramenta de marketing ao seu favor, cuja
finalidade seja ou foi ampliar a sua base eleitoral. Porém, aqueles críticos
que não conseguem visualizar o fenômeno expansionista gerado na economia com o efeito
natural da introdução do PBF nas políticas sociais do Governo Federal, nada
mais são do que um grupo de alienados que reproduzem tudo aquilo que um dia foi
dito pelos agentes conservadores.
Alguns estudos apontam que a reeleição de Lula esteve fortemente
associada à criação e à ampliação do programa, fato também que desviou a base
eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) das regiões ricas para as mais
pobres do país.9 No entanto, tais estudos devem ser tratados com
muita cautela, sendo que qualquer programa político voltado às camadas sociais
tem um razoável retorno eleitoral. Além disso, o aumento real dos salários e a
expansão do crédito também são fatores que motivaram os pobres a votarem em
peso nos candidatos petistas.
O Bolsa Família também recebe duras críticas de setores mais
radicais da esquerda, pois, para eles, os trabalhadores mais revolucionários
são aqueles que vivem em situação de miséria. Os radicais estão errados, pelo
menos parcialmente, porque a melhoria de vida e o maior grau de escolaridade
são algumas das condições necessárias para levar o indivíduo a se rebelar. Se
fosse assim não eram para ter revoluções trabalhistas todos os dias no
continente africano?
"Enquanto a direita receia que o Programa Bolsa Família
leve os trabalhadores a trabalharem menos, a extrema-esquerda tem medo de que
ele os leve a revoltarem-se menos".10
Educação
Para receber o Bolsa Família é exigido que os pais que recebem o
benefício mantenham seus filhos na escola. Assim, o programa ajuda a melhorar a
educação e, também, contribui para a melhoria das estatísticas sociais.
Segundo um relatório que avalia impactos do PBF, elaborado pelo
Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares e a empresa
Datamétrica, a pedido do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS) e em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD)11, a frequência às aulas é 19,9 pontos percentuais maior
entre as crianças de 6 a 17 anos pertencentes às famílias que são beneficiadas.
Também diz o relatório que as crianças abrangidas pelo PBF
apresentaram um desempenho escolar superior àquelas que não recebem o benefício,
sendo que a progressão de ano daquelas foi 6 pontos percentuais maior em
relação a estas.12
Prova de que o PBF está contribuindo para a formação de gerações
futuras mais bem educadas e conscientes.
Saúde
Para receber o Bolsa Família é necessário que as famílias
estejam em dia com a saúde. Portanto, manter hábitos saudáveis, ter uma boa
alimentação e cumprir o calendário de vacinas são fatores essenciais para a
concessão da bolsa.
Essa exigência faz a diferença e tem reflexo nos principais
indicadores de qualidade da saúde dos brasileiros. De 2005 a 2009, segundo o
relatório, a vacinação entre os grupos de beneficiados subiu de 79% para 82%.13
A pesquisa também destaca que a taxa de cumprimento das vacinações é de 15
pontos percentuais maior entre os bolsistas.
Com boa saúde, as pessoas vivem mais e dependem menos do Sistema
Único de Saúde (SUS), um dos mais deficitários do mundo. Portanto, significa
maior qualidade de vida e melhoria dos índices de desenvolvimento humano.
Longo prazo
Os efeitos do PBF no longo prazo ainda são bastante imprecisos.
No entanto, é correto afirmar que o programa também pode trazer mais autoestima,
esperança e perspectiva para as famílias pobres no decorrer do tempo, pois elas
terão melhores condições de bancar a educação de seus filhos, afastando-os,
assim, do perigo das drogas e da criminalidade. Como consequência, a violência
diminui e a sociedade brasileira torna-se cada vez melhor.
Importante saber
Vale lembrar que os argumentos que foram mencionados acima não
se referem a verdades absolutas. O que adotamos no trabalho foi apenas um
modelo socioeconômico simples, mas suficientemente explicativo e consistente.
É claro que nem sempre tudo o que foi aqui afirmado poderá
ocorrer de fato no cotidiano. Seria um otimismo bastante exacerbado acreditar
em tamanha possibilidade. Porém, as afirmações que constam no artigo nos dão
uma direção no sentido de compreender melhor o verdadeiro potencial do Programa
Bolsa Família. Além do mais, o esquema que nós analisamos desmonta o discurso da
direita que tanto insiste em desmerecer o programa. Pode-se afirmar, portanto,
que este é compatível com a sociedade no âmbito da economia brasileira.
A explicação aqui apresentada não é algo indiscutível tampouco
perfeita, mas, a nosso ver, é a que melhor nos revela a realidade com menor ou
nenhum grau de tendenciosidade.
Não quer dizer também que o programa seja inquestionável, pois as
críticas são necessárias e indispensáveis para o aperfeiçoamento do mesmo. O
problema é que algumas críticas que o Bolsa Família recebe não tem o menor
fundamento, sendo que até agora não há provas concretas ou até mesmo abstratas
que sustentem tais premissas. O programa é simplesmente demonizado pelo
conservadorismo que historicamente domina o cenário político brasileiro.
As críticas devem ser mais realistas, e não baseadas em mentiras
e enganações. Sabe-se que nada é perfeito e tudo precisa ser melhorado. Assim, fica
evidente que o PBF não resolve todos os problemas sociais do país, no entanto,
este tem desempenhado um importante papel no combate à fome e à pobreza.
(*) Estuda economia na Universidade Federal de São João
del-Rei (UFSJ).
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