Os estudos de Karl Marx foram enfáticos na análise do contexto em que ocorreu a chamada Acumulação Primitiva. O vigésimo quarto capítulo do livro "O Capital" (vol. 2), principal obra de Marx, fica incumbido pela compreensão do acúmulo de riquezas, ocorrido no período pré-capitalista. A acumulação de capital foi algo de importância vital para o surgimento e desenvolvimento do sistema capitalista.
Os elementos do capitalismo, segundo o capítulo, foram liberados após o colapso da estrutura feudal. Na organização social pré-capitalista, as pessoas, via de regra, viviam no campo, onde predominava o modelo de produção baseado na propriedade comunal. “A estrutura econômica da sociedade capitalista proveio da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou os elementos daquela”. (p. 340).

No
entanto, a dissolução do regime feudal foi resultado de uma expropriação em
massa de camponeses. O colapso do feudalismo foi de importância fundamental na
formação de indivíduos despossuídos de meios de produção. A terra, o trabalho e
os fatores de produção foram mercantilizados e incorporados no modo de produção
capitalista. Alguns dos camponeses se apropriaram dos fatores, mas outros
perderam tudo e só lhe restavam como alternativa vender a própria força de
trabalho.
Daí,
então, é que surge a figura do proletariado (possuidor de força de trabalho)
junto com o capitalista (proprietário dos meios de produção). Agora, os
ex-camponeses trabalharão para o sustento da insaciável fome do capitalista de
ampliar suas riquezas. O trabalhador produz, mas quem se apodera do produto do
trabalho é o patrão.
“Com
essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção
capitalista”. (p. 340). Sem essa prévia acumulação de riquezas,
o início da era capitalista seria duvidoso. Com isso, o sistema pôde se
desenvolver e se ampliar com decorrer do tempo.
Portanto,
o sistema que sucede o feudalismo consiste na separação entre o trabalhador e os
seus meios de produção, que lhe garantiam a subsistência. Assim, o capitalismo
transforma o produtor autônomo num mero proletário. Acumulação primitiva é
assim chamada porque “constitui a pré-história do capital e do modo de produção
que lhe corresponde”. (p. 340).
O
amplo e profundo processo de expropriação foi responsável pelo confisco dos
bens da Igreja Católica, que no contexto feudal fora a principal detentora de
terras. Tal processo iniciou-se de maneira violenta na Inglaterra. Muitos
camponeses foram expulsos e tiveram que buscar outras opções na cidade. O
grande contingente de possuídos que foram expulsos do campo foi uma alavanca
essencial para o pioneirismo industrial inglês.
A
indústria assim se desenvolveu e pôde contar com uma interminável massa de
desempregados. O desenvolvimento industrial foi tardio em locais onde a
resistência feudal era maior. Na Inglaterra, no entanto, esse problema não
ameaçava o sonho inglês de um dia alcançar novos mercados. Posteriormente,
outros países europeus foram vencendo a queda de braço com o feudalismo e
também foram desenvolvendo a própria indústria.
Naquela
época, as decisões passaram a ser determinadas pelas forças do mercado em
detrimento dos ideais mercantilistas. Assim, quanto maior era a oferta de
trabalho, menores eram os salários. Pouco foram as intervenções do Estado e as
criações de leis que visassem proteger os direitos trabalhistas. As leis eram
para punir os ociosos, mendigos e “vagabundos”. Tais leis asseguravam castigos
rigorosos para aqueles que não trabalhavam. As penalidades iam desde um simples
castigos até a pena de morte.
O
Estado era mínimo e era competente apenas para atender aos interesses da classe
burguesa. “A burguesia nascente precisa e emprega a força do Estado para
“regular” o salário, isto é, para comprimi-lo dentro dos limites convenientes à
extração de mais-valia, para prolongar a jornada de trabalho e manter o próprio
trabalhador num grau normal de dependência. Esse é um momento essencial da
assim chamada acumulação primitiva”. (p. 359).
A expropriação do povo cria uma classe formada por grandes proprietários fundiários. O campo, após a expulsão, passou a produzir quase que exclusivamente para o mercado. O que significa que a produção no campo, que antes era um mero meio de subsistência, passou a ser negociada no mercado capitalista. Agora, tudo que é produzido deverá ter alguma utilidade na lógica do capital. “Antes, repartido entre inumeráveis pequenos produtores, que o cultivavam e fiavam em pequenas porções com suas famílias, está agora concentrado nas mãos de um capitalista, que faz outros fiar e tecer para ele”. (p. 366).
Portanto,
foi preciso buscar as matérias-primas em outras regiões do mundo e também
expandir os mercados e conquistar novos consumidores para fazer a máquina da
economia girar. Começaram, então, as expansões marítimas e as primeiras ondas
de colonizações.
Nem,
por isso, o intenso processo de expropriação foi diminuindo. “A expulsão em
massa causou uma liberação de um grande número despossuídos que buscavam um emprego
qualquer. A intermitente e sempre renovada expropriação e expulsão do povo do
campo, como foi visto, forneceu à indústria urbana mais e mais massas de
proletários, situados totalmente fora das relações corporativas, (...), acreditar
numa intervenção direta da Providência”. (p. 365). Além do mais, “a
expropriação e a expulsão de parte do povo do campo liberam, com os
trabalhadores, não apenas seus meios de subsistência e seu material de trabalho
para o capital industrial, mas criam também o mercado interno”. (p. 367).
Apesar de tudo, a
produção continuou em alta, pois a mesma expropriação foi acompanhada por
melhoramentos nas técnicas de produção, organização e cultivo. Também com a
revolução industrial, as inovações tecnológicas, embora modestas, a principio,
tiveram um papel fundamental no aumento da produtividade no campo.
Diferente da sociedade
feudal, no capitalismo há uma pequena possibilidade dos mais pobres ascenderem
socialmente. Assim, alguns artesãos independentes e até mesmos trabalhadores
assalariados foram se tornando pequenos capitalistas. No entanto, a maioria
deles foram convertidos em proletários que nada mais havia senão a própria
força de trabalho. Os empresários sugam a energia dos trabalhadores e extraem a
chamada mais-valia, a principal responsável pelo lucro no âmbito capitalista.
“A dívida
pública torna-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação primitiva”. (p.
373). Isso é fato principalmente porque os juros da dívida transferem renda dos
mais pobres para os mais ricos. Para saldar a dívida, o Estado adota alguns
mecanismos como o aumento da cobrança de impostos dos trabalhadores ou a
contração de empréstimos no exterior. Tudo isso contribui para uma maior
concentração de renda. “... a dívida do Estado fez prosperar as sociedades por
ações, o comércio com títulos negociáveis de toda espécie, a agiotagem, em uma
palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia”. (p. 374).
“Sistema
colonial, dívidas do Estado peso dos impostos, proteção, guerras comerciais
etc., esses rebentos do período manufatureiro propriamente dito se agigantam
durante a infância da grande indústria”. (p. 376).
Os
trabalhadores foram expropriados e agora também os capitalistas (especialmente
os pequenos) estão paulatinamente sendo expropriados. “O que está agora para
ser expropriado já não é o trabalhador economicamente autônomo, mas o
capitalista que explora muitos trabalhadores”. (p. 380).
Marx fez um prognóstico acertado e bastante preciso sobre o futuro deste sistema atual. As contribuições marxistas foram simplesmente fantásticas para o entendimento real do que viria a ser o capitalismo. Primeiro, veio a etapa acumulação de riquezas, depois teve início ao modo de produção capitalista que foi caracterizado pela competição agressiva entre as empresas. Posteriormente, houve uma centralização dos meios de produção e a consequente formação de monopólios, oligopólios, cartéis, etc. Agora, os meios de produção estão concentrados nas mãos de poucos, e estes podem limitar a produção e elevar os níveis de preços, causando uma ineficiência no mercado. E quem perde de novo é o povo trabalhador. Tudo o que acontece foi previsto antes por esse que é o maior economista de todos os tempos.
O
capítulo 24 do livro "O capital" traz uma novidade em termos científicos na sua
época, mas seus principais argumentos são consistentes até o dia de hoje. As
leituras deste capítulo, do livro e de todas as obras de Karl Marx são
indispensáveis para a compreensão real do que era e é o capitalismo.
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