O mundo desenvolvido exerce uma forte pressão para que os países em desenvolvimento adotem políticas de comércio sugeridas pelos economistas ortodoxos de entidades internacionais. Os países desenvolvidos (PADs) alegam que aderir ao livre-comércio é necessário e fundamental para alcançar o crescimento econômico e consumar o desenvolvimento. Afirmam, ainda, que o aprimoramento de certas instituições é de capital importância para que os países mais pobres e sub-desenvolvidos superem o atraso.
Entre as políticas sugeridas, destacam-se; políticas macroeconômicas restritivas, liberalização do comércio internacional e dos investimentos, privatização e desregulamentação. Já as instituições-chave incluem: democracia, burocracia moderna nos conceitos de Max Weber, Judiciário independente, forte proteção aos direitos de propriedade, governança empresarial eficiente e organizada e Banco Central politicamente independente e orientado para o mercado.
No
entanto, muitos desses PADs não se valeram das mesmas políticas e instituições para
lograr êxito quando ainda estavam em fase de desenvolvimento. Como os países
ricos enriqueceram de fato? O economista sul-coreano, Ha-Joon Chang, responde a
essa indagação no seu best-seller, "Chutando a escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica", publicado no ano de 2002.
Nesse
livro, Chang faz uma abordagem histórica e constata que a maioria das nações hoje
consideradas desenvolvidas adotou em demasia um conjunto de medidas
protecionistas para salvaguardar a indústria nascente. Grã-Bretanha e Estados
Unidos, por exemplo, foram praticantes vorazes do protecionismo, adotando
tarifas elevadas e proibindo as exportações de bens de capital. É importante
ressaltar que a proteção tarifária foi uma medida indispensável em vários
momentos da Revolução Industrial, mas que, isoladamente, não surtiria os
efeitos desejados. O investimento pesado em educação, infraestrutura, ciência e
tecnologia foram fundamentais para a ascensão econômica desses países. Nada ia
adiantar se eles não tivessem um projeto nacional de desenvolvimento (que,
convenhamos, é o mais importante).
Composto
por quatro capítulos e 266 páginas, o livro de Chang objetiva trazer à tona algumas
informações históricas que corroboram o argumento de que a Grã-Bretanha e os
países de industrialização atrasada recorreram às políticas intervencionistas (industrial,
comercial e tecnológica) para desenvolver a indústria e barrar o crescimento
dos demais. Ao discorrer sobre os fatos da história econômica, Chang também derruba alguns mitos liberalescos como o da França dirigista, da Alemanha protecionista e o da
Grã-Bretanha liberal.
O autor faz uma comparação da renda per-capita, do grau de desenvolvimento e do nível institucional dos países atualmente em fase de desenvolvimento com os das nações ricas no período que as mesmas ainda não se encontravam no estágio atual. Verificou-se que tanto os PADs quanto os países mais pobres apreciaram, via de regra, um crescimento da economia quando não seguiram a doutrina do laissez-faire.
O
economista sul-coreano demonstra que, quando em nível de desenvolvimento
comparável, os países economicamente avançados cresceram menos do que os países
hoje considerados não desenvolvidos em razão dos últimos já contarem com
instituições maduras, se comparados com os primeiros. No entanto, a partir da
década de 1980, o autor enfatiza que as instituições melhores não foram
suficientes para promover o crescimento econômico nos países em desenvolvimento,
nos mesmos moldes de períodos anteriores, quando estes acataram as políticas
recomendadas por organismos internacionais (OMC, ONU, FMI e Banco Mundial),
fortemente influenciados pelas nações do mundo desenvolvido, e pelo Consenso de
Washington.
Chang
ainda chama atenção para as exigências atuais dos PADs para que os países em
desenvolvimento adotem, o mais rápido possível, instituições de “padrão
mundial”. Segundo o autor, os países hoje ricos contrariam a própria experiência
histórica ao fazer tais exigências. De acordo com as informações do livro, as
instituições nos PADs levaram décadas ou mesmo gerações para se desenvolver.
Além do mais, os países em desenvolvimento já possuem instituições sofisticadas,
além de ser bastante custoso o desenvolvimento de outras.
A
principal conclusão de Chang é que os países desenvolvidos estão tentando “chutar
a escada” que lhe deram acesso ao topo, pois estão impedindo que os países em
desenvolvimento adotem as mesmas políticas e instituições anteriormente usadas
por eles. O mundo desenvolvido, portanto, não deseja o progresso econômico dos
países ainda pobres e desiguais ao sugerir e até chantagear que eles adotem um
procedimento rigorosamente distinto que o levou ao desenvolvimento.
Um livro bastante esclarecedor e recheado de informações históricas. Uma crítica profunda ao ideário neoliberal ainda propagandeado por economistas adeptos da ortodoxia. Um guia essencial para os formuladores de política econômica da contemporaneidade. Uma contribuição deveras importante para o mundo acadêmico, dado que enriquece e qualifica o tão valioso debate sobre o desenvolvimento econômico. Uma obra prima da economia e que recomendo uma leitura assídua por parte dos intelectuais e, especialmente, de estudantes dos cursos de economia, sociologia, história e áreas afins.
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