Livro do Dr. Chang derruba mitos do capitalismo e combate a doutrina neoliberal




A crise financeira de 2008 arrasou diversas economias do mundo e trouxe à tona as incongruências do receituário neoliberal, outrora sugerido pelo Consenso de Washington. Em voga desde a década de 1980, as políticas de livre mercado foram as grandes responsáveis pelos os resultados desastrosos de muitos países em desenvolvimento.

Não obstante, para entender o fenômeno do neoliberalismo, é preciso se dar conta que muitas das proposições que servem de base à doutrina do Laissez-faire, apesar de serem premissas falaciosas, são transmitidas de geração em geração e consideradas verdadeiras por grande parte dos admiradores e até mesmo por críticos do sistema capitalista.

Decidido em confrontar essas ideias, o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, professor da Cambridge University, na Inglaterra, expõe argumentos e evidências no seu livro 23 Things They Don't Tell You About Capitalism (em português, 23 coisas que não nos contaram sobre o capitalismo) que derrubam mitos do sistema e revelam a arrogância dos defensores do livre comércio.
Também autor dos livros kicking Away the Ladder: development strategy in historical perspective. (em português, Chutando a Escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica) e Bad Samaritans: The Myth of Free Trade and the Secret History of Capitalism (em português, Maus Samaritanos: O mito do livre comércio e a história secreta do capitalismo), Chang não se considera anticapitalista, porém, é um crítico ferrenho do neoliberalismo adotado a partir da década de 1980.
O autor inicia o livro redarguindo a ideia de livre mercado. Segundo Chang, o livre mercado não existe, pois todo mercado tem "regras e limites que restringem a liberdade de escolha".
A política de livre mercado, como provedora do desenvolvimento, é um mito-chave para se compreender a hipocrisia das nações ricas. Países desenvolvidos exigem que as nações em desenvolvimento adotem políticas de livre comércio para que possam se desenvolver. Entretanto, os próprios países desenvolvidos se valeram de políticas e instituições que hoje condenam quando estavam em processo de desenvolvimento, diz Chang.
Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, são historicamente as nações que mais adotaram o protecionismo, ressalta ele. Nestes países, o fluxo de capitais e mercadorias era restrito e as tarifas, altíssimas, lembra o economista.
Outro mito interessante o sobre o capitalismo é aquele que afirma que o controle da inflação estabiliza a economia. No entanto, a maior estabilidade macroeconômica não tornou a economia mundial mais estável. Muito pelo contrário...
A política anti-inflacionária, tão priorizada pelos defensores do livre mercado, tem se mostrado ineficaz nos países em desenvolvimento. Estes países, como o Brasil, cresceram vigorosamente em períodos de alta inflação. A partir do instante em que as nações do mundo em desenvolvimento colocaram a estabilidade de preços no topo da agenda política, o resultado foi uma queda do crescimento per capita, uma retração dos níveis de investimentos e uma ampliação da insegurança no mercado de trabalho.
Não posso deixar frisar o mito da sociedade pós-industrial. Diferente do que afirmam os economistas conservadores, não vivemos em uma era pós-industrial, ressalta o autor. Indiscutivelmente, o setor de serviços cresceu no mundo inteiro. Porém, a indústria ainda exerce um papel importante no dinamismo econômico.
De acordo com o economista, o encolhimento da participação manufatureira na produção total dos países ricos não se deve, em grande parte, "à queda na quantidade absoluta de bens manufaturados produzidos e sim à queda nos seus preços com relação aos dos serviços, o que é causado pelo seu crescimento mais rápido na produtividade (produção por unidade de insumo)".
No entanto, Chang alerta que a negociabilidade dos serviços entre os países é muito baixa e "uma economia mais baseada em serviços terá uma menor capacidade de exportar", sofrendo, assim, no decorrer do tempo, um desiquilíbrio crescente no balanço de pagamentos.
O estado de bem-estar social, assentado na empregabilidade, é um tema muito interessante e também abordado nas páginas do livro. Segundo a sabedoria ortodoxa, o estado de bem-estar social e a segurança no emprego acomodam os trabalhadores e desestimulam os empresários a criar riqueza. Porém, a partir de evidências, o autor afirma que, em muitas economias ricas, ele pode encorajar as pessoas (trabalhadores e empresários) a correr riscos.
O autor ainda esclarece que um governo poderoso torna as pessoas mais abertas à mudança na medida em que garante ao trabalhador desempregado benefícios como seguro-saúde, salário-desemprego, novo treinamento e ajuda para procurar um novo serviço, como nos países escandinavos. Assim, o estado de bem-estar social pode ser comparado a uma lei de falência moderna.
Conforme fica demonstrado no exemplo sul-coreano, apontado por Chang, dos jovens inteligentes do país que querem estudar medicina por causa da grande oferta de empregos na área, "uma insegurança maior pode fazer com que as pessoas trabalhem mais, mas ao mesmo tempo faz com que elas trabalhem mais nos empregos errados". A Coreia do Sul possui o menor estado de bem-estar social entre os países ricos e não tem distribuído os seus talentos da maneira mais eficiente.
Além do mais, lembra o autor, os Estados Unidos (outro país de bem-estar social fraco) tem crescido nas últimas décadas menos do que países que investiram mais na proteção da força de trabalho. Curiosamente, o baixo crescimento econômico é uma das razões pelas quais o protecionismo comercial é muito forte no país norte-americano em comparação com a Europa.
Por outro lado, a ideia do livro de que "a instrução não é um elemento tão importante no aumento da produtividade de uma economia" é, no mínimo, questionável. Chang explica que grande parte disso se deve à mecanização. Contudo, a modernização do processo produtivo se relaciona com a prévia obtenção de conhecimentos através de observações diuturnas, estudos exaustivos e experiências de longa duração.
Chang apresenta argumentos, valendo-se de algumas pesquisas e observações que comparam desempenhos escolares e taxas de alfabetização entre países, e conclui "que existem muito poucas evidências de que mais instrução conduza a um maior crescimento econômico". O autor ainda embasa o seu raciocínio tomando como exemplo um caso bastante curioso na Suíça. Este país está entre as poucas economias mais ricas e avançadas do mundo, mas possui, supreendentemente, a menor taxa de matrículas universitárias entre as nações desenvolvidas. No entanto, o exemplo suíço é único no planeta e quando se fala em instrução não se pode pensar somente em escolas e universidades.
Segundo o próprio autor, o treinamento aos funcionários é importante para aumentar a produtividade das empresas a longo prazo. Não seria o treinamento um processo instrucional? O que dizer, então, dos cursos técnicos cuja finalidade é preparar trabalhadores qualificados e produtivos?
Para o economista, a instrução é valiosa, mas a sua função consiste em "nos ajudar a desenvolver o nosso potencial". Todavia, é difícil de imaginar que um engenheiro possa desenvolver uma tecnologia que aumente a produtividade numa certa empresa, sem que faça um curso superior na área de engenharia e, portanto, desenvolva o seu potencial.
Em outras palavras, o aprimoramento dos meios de produção ocorreu graças ao avanço da produção científica. A ciência, por sua vez, possui uma relação estreita com a educação, sendo o professor a base de todos os profissionais do ramo científico. Logo, o grau de instrução de um país tem uma importância considerável no processo de mecanização, bem como no aumento da produtividade.
Resumindo, pode-se dizer que o Dr. Ha-Joon Chang subestimou o papel da educação como fator de desenvolvimento econômico de uma sociedade. Dito isto, cabe enfatizar que o livro dele é um trabalho muito interessante e nos estimula a fazer uma reflexão crítica a respeito dos ideais propalados pelo pensamento convencional econômico. Ademais, a obra escrita de Chang é repleta de informações bastante estratégicas para a macro visão da economia mundial.
Após a leitura das "23 coisas", o leitor terá condições de compreender que o mercado por si só não é uma instituição eficiente e que os defensores do livre mercado adoram compendiar a realidade (isto é, dizer que as coisas se restringem ao que está escrito nos manuais de economia clássica).
O autor demonstra o quão as medidas neoliberais são desastrosas e motivadas por decisões políticas. Ele deixa mais que evidente que, no decorrer da história econômica mundial, as políticas de livre comércio prejudicaram largamente os países mais pobres, ao passo que puderam (durante um bom tempo) suavizar os ricos e remediados.
Preocupado em despertar o interesse de diversos públicos, o professor da Cambridge University não se apega ao economês e descomplica a linguagem escrita para melhor compreensão dos leitores.
A justificativa do autor ao escrever um livro mais acessível é que ter a consciência de como as coisas funcionam na realidade é essencial para o cidadão comum defender os seus interesses. "E a não ser que entendamos isso, não seremos capazes de defender os nossos próprios interesses e, muito menos, de fazer um bem maior como cidadãos econômicos ativos". Portanto, não se trata de um livro de "economia para idiotas", mas de "economia para não ser idiota".
Abaixo, estão listadas as 23 coisas que não nos falaram sobre o capitalismo, que são destacadas pelo livro de Chang:
1 - Não existe algo como um livre mercado
2 - A gestão das empresas não deve estar voltada para o interesse dos seus donos
3 - O salário da maioria das pessoas nos países ricos é maior do que deveria ser
4 - A máquina de lavar roupa mudou mais o mundo do que a internet o fez
5 - Pressuponha o pior com relação às pessoas e você receberá o pior
6 - A maior estabilidade macroeconômica não tornou a economia mundial mais estável
7 - As políticas de livre mercado raramente fazem os países pobres ficarem ricos
8 - O capital tem uma nacionalidade
9 - Não vivemos em uma era pós-industrial
10 - Os Estados Unidos não têm o padrão de vida mais elevado do mundo
11 - A África não está destinada ao subdesenvolvimento
12 - Os governos são capazes de fazer boas escolhas
13 - Tornar as pessoas ricas mais ricas não faz com que todo mundo fique rico
14 - Os executivos americanos são caros demais
15 - As pessoas nos países pobres são mais empreendedoras do que as pessoas nos
países ricos
16 - Não somos inteligentes o bastante para deixar que o mercado cuide das coisas
17 - Mais instrução por si só não tornará um país mais rico
18 - O que é bom para a General Motors não é necessariamente bom para os Estados
Unidos
19 - Apesar da queda do comunismo, ainda estamos vivendo em economias planejadas
20 - A igualdade de oportunidades pode não ser justa
21 - O governo poderoso torna as pessoas mais abertas à mudança
22 - Os mercados financeiros precisam se tornar menos, e não mais, eficientes
23 - Uma boa política econômica não requer bons economistas

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